Para estrear o Frente a Frente, contamos com a ilustre participação do Professor Ozanir Roberti Martins. Confira abaixo a entrevista!
Bípedes: Em
vista do feriado do dia 7 de Setembro, não podemos deixar de pensar na
independência do nosso país, que está intrinsecamente relacionada à liberdade
política, econômica e social que obtivemos desde então. Não podemos esquecer também a nossa língua:
falamos o idioma português por causa de Portugal. Contudo, é nítida a diferença
existente entre o português realmente português e o brasileiro. Como o senhor
enxerga essa emancipação, digamos assim, da nossa língua? Como o senhor vê essa
questão de língua e liberdade?
Prof. Ozanir Roberti: Na verdade, eu penso
que hoje a situação histórica até se inverteu. Nós temos uma língua que buscou
a liberdade de Portugal. Depois da independência, a própria literatura
encontrou caminhos para fazer com que a nossa língua tivesse contornos iguais
aos de Portugal, mas que rompesse de vez em quando esses limites. É o caso dos
poetas românticos, como, por exemplo, Gonçalves Dias que começa a utilizar
expressões indígenas. É o caso de romancistas como Alencar, que, aos poucos,
vai fazendo suas obras terem palavras vindas da cultura indígena, que começa a
colocar o pronome de maneira diferente de Portugal. Para a nossa língua, a
independência, sem dúvida, é uma espécie de marco, um marco que traz uma certa
incorporação de novidades linguísticas em relação a Portugal, diferenciando o
Português daqui do de Portugal. Porém, de lá para cá, com o passar dos anos, a
mudança é realmente muito maior. Nós temos um vocabulário muito mais amplo que
o de Portugal; principalmente pela aquisição de palavras de origem africana, as
próprias palavras indígenas que eu já citei, e especialmente pela chegada de
imigrantes não portugueses que trouxeram inúmeras palavras que acabaram
incorporadas ao nosso idioma. Além disso, há um outro fator que é muito
interessante. Talvez essa “frouxidão” na formação do português do Brasil tenha
revelado um espírito altamente criativo. Então, nós criamos palavras com muito
mais facilidade que o português de Portugal, e hoje o que se tem é uma atração
muito maior do estrangeiro pela Língua Portuguesa do Brasil do que pelo
Português de Portugal. Dessa forma, o nosso português seria o que está na moda,
enquanto o de lá é bem menos atraente. Então, isso é, na verdade, uma forma de
libertação. Não uma libertação que rompa os laços. Nós continuamos usando a
língua portuguesa; mas uma língua portuguesa com um colorido próprio e, além
disso, com uma força que parece acompanhar o potencial econômico do nosso país.
Bípedes: “A
norma culta é um instrumento de dominação das elites.” O que o senhor acha?
Prof. Ozanir Roberti: Não é verdade. A norma
culta talvez seja mais difícil de ser conhecida. Logo, a elite, quase sempre,
tem mais oportunidade de conhecê-la. Contudo, há muita gente de uma elite no
Brasil hoje que desconhece completamente a norma culta, a qual, na verdade,
deveria ser um instrumento posto à disposição de todos os cidadãos, para que
tivessem os mesmos direitos. Se isso não ocorre, é porque a educação no Brasil
ainda é muito incipiente, mas eu acredito que seja um estágio por que nós
estamos passando, e que ela, no futuro, ao contrário do que muita gente pensa, será
bem mais espalhada por aí.
Bípedes: Como o domínio da língua culta pode contribuir
para o futuro do país?
Prof. Ozanir Roberti: Pode contribuir principalmente
no avanço científico e tecnológico. Não há como negar que toda a parte de apoio
intelectual, acadêmico, precisa da norma culta; a descoberta cientifica e o
ensinamento técnico-científico dependem da norma culta. Então, o quanto mais
nós conseguirmos desenvolver essa parte do ensino, especialmente na área
tecnológica, mais nós vamos depender da precisão, da exatidão que se faz
exatamente através da norma culta. É uma questão de necessidade real para o
desenvolvimento tecnológico do país. Nós, na verdade, estamos muito atrás de
países como Japão, Noruega, Coreia; é como se tivéssemos dois Brasis, o Brasil
que consegue acompanhar, que é o Brasil de uma minoria, e aquele Brasil da
grande maioria, que está defasado, e defasado tecnologicamente, porque está
defasado linguisticamente.
Bípedes: A
Internet está empobrecendo a linguagem culta?
Prof. Ozanir Roberti: Não. De maneira alguma.
O que você tem na internet de diferente é apenas a ortografia. O garoto que
escreve abs não lê abs, ele lê abraços. Então, a língua é a mesma, o que muda é a ortografia. Da
mesma forma, temos aquela menininha que faz um elogio e coloca você é D+. Eu não leio aquilo como uma letra e
um sinal de mais; eu estou lendo a palavra demais
e entendendo que, quando ela diz você
é D+, está fazendo um grande elogio. Assim, a língua da internet é a mesma
língua que nós temos no nosso dia a dia. Ela tem uma aproximação mais real com
a língua, não se discute isso, mas esse pessoal que acha que aquilo é uma
língua diferente está totalmente errado. O que se tem é um registro diferente
da mesma língua.
Bípedes: Professor,
qual seria a mensagem para nós estudantes de letras, no início de
mais um período de formação?
Prof. Ozanir Roberti: A mensagem que gosto de
deixar é sempre positiva: estudem. Saber não ocupa lugar; quanto mais vocês
souberem, mais vocês estão preparados para as mudanças do futuro. E não tenham
dúvida, a rapidez com que o mundo está mudando vai exigir que vocês estejam
sempre preparados para essas alternativas. Vocês não devem se prender somente àquilo
que querem, àquilo de que gostam; vocês têm de estar preparados para o que o
mercado vai exigir de vocês. E, na nossa área, que é a da linguagem, os
horizontes são muito amplos, cada vez mais amplos.